Uma análise sobre o Plano Nacional de Educação (PNE) aponta que três das 20 metas estabelecidas para melhorar a qualidade do ensino do país não só não estão sendo cumpridas como apresentam retrocesso. O PNE foi sancionado no Congresso em 2014, com prazo para ser cumprido até 2024.
A três anos do fim do período de vigência, nenhuma meta foi alcançada e cinco estão parcialmente completas. O relatório de análise foi feito pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, e divulgado nesta quinta-feira (24). A instituição publica análises anuais e, o governo federal, a cada dois anos. O G1 entrou em contato com o Ministério da Educação (MEC) na tarde de quarta perguntando as estratégias para atingir os objetivos do PNE até 2024, e não recebeu retorno até a tarde desta quinta.
As metas com retrocesso são:
- educação em tempo integral: o objetivo era oferecer ensino integral em metade das escolas do país, atendendo 25% dos alunos da educação básica até 2024. Mas os números caíram em vez de subirem. Em 2014, havia 42,6 mil escolas e 6,5 milhões de alunos em tempo integral. Em 2020, eram 27,9 mil escolas e 4,8 milhões de estudantes nesta modalidade. O número representa queda de 15 mil escolas e mais de 1,5 milhão de matrículas a menos.
- erradicação do analfabetismo: a meta era ter 93,5% dos brasileiros acima de 15 anos alfabetizados até 2015; erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% o analfabetismo funcional até 2024. Mas somente em 2020 a meta de 2015 foi atingida. O quadro de analfabetismo funcional aumentou, quando deveria regredir. Saiu de 27% da população de 15 a 64 anos com analfabetismo funcional em 2015 para 29% em 2018 (dados mais recentes). A meta era reduzir a 13,5% até 2024.
- educação de jovens e adultos e profissional: o plano previa oferecer ao menos 25% de matrículas da educação de jovens e adultos (EJA) integrada à educação profissional. Mas se em 2014 havia 2,8% das matrículas de EJA integradas, em 2020 o índice caiu para 1,8%.
As metas parcialmente cumpridas são:
- melhorar a qualidade da educação básica: o PNE previa elevar os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para o ensino fundamental e médio. Houve melhoria nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano), o que pode ser atribuído à mudança no início do ciclo, que agora começa aos 6 anos do aluno, e não mais aos 7. Para os anos finais (6º ao 9º ano) e ensino médio, as metas estão próximas, mas não foram atingidas.
- triplicar as matrículas do ensino profissional técnico: Se em 2014 havia 20,4% de matrículas nesta modalidade, em 2020 o índice chegou a 23,6%, longe da meta (200%). A expansão de seu principalmente na rede pública, que concentrava 10,3% das matrículas em 2014 e atingiu 94,8% em 2020 – acima da meta, de 50%. A previsão é de não cumprir a meta total, já que são criadas 50 mil matrículas ao ano, abaixo das 296 mil necessárias.
- ampliar a proporção de professores do ensino superior com mestrado e doutorado: a meta foi atingida na rede pública, mas ainda precisa avançar na rede privada. Em 2019, último ano com dados disponíveis, havia 25,7% dos professores das faculdades privadas com doutorado. Na rede pública, era 66%. A perspectiva é de não cumprir o percentual de docentes com doutorado até 2024.
- aumentar as matrículas na pós-graduação: o objetivo era formar todos os anos 60 mil mestres e 25 mil doutores. A meta para mestres foi batida nos anos de 2017 a 2019, e agora precisa ser mantida até 2024. Sobre a formação de doutores, será preciso elevar de 17,2 mil titulados todos os anos para 25 mil até 2024.
- capacitar professores da educação básica: a ideia era incentivar que metade dos professores de escolas tivessem pós-graduação em suas áreas de conhecimento até 2024 e oferecer mais formação continuada. Em 2020, o percentual chegou de pós-graduados chegou a 43,4% e deve atingir o objetivo final. A formação continuada vem crescendo 1,4 pontos percentuais ao ano, quando o indicado era de 6,8 pontos percentuais. Em 2020, dos 2,2 milhões de professores que dão aulas em escolas, 1,3 milhão não havia recebido formação continuada.
A principal meta não cumprida é:
ampliar o investimento público em educação: para 2024, o objetivo era investir 10% do Produto Interno bruto (PIB) em educação pública. Entre 2015 e 2017, os gastos estiveram em torno de 5%. Em 2019, atingiu 7%. Durante a pandemia, o quadro piorou. Houve aceleração na "desvalorização da prática docente", afirma o relatório, "o que distancia ainda mais o cumprimento desta meta."
"O Plano Nacional de Educação está abandonado pelo Estado brasileiro. É o sétimo ano que fazemos o monitoramento e que o resultado é que as metas não estão sendo cumpridas. Neste ano, tivemos retrocessos em 3 delas, ainda, e os indicadores de acesso e qualidade não refletem a realidade da exclusão escolar enorme oriunda da crise política, econômica e social que vivemos, aprofundada pela pandemia de Covid-19", afirma Andressa Pellanda, coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
"As metas e estratégias do PNE foram traçadas em 4 anos de tramitação no Congresso Nacional (de 2010 a 2014), em que houve ampla participação de toda a comunidade educacional. É um pacto social. Seu descumprimento só mostra a dificuldade enorme do Estado de cumprir com as instituições democráticas e de promoção dos direitos humanos", completa.
Além das metas não cumpridas, o relatório critica as prioridades do governo federal na área da educação, como homeschooling, escolas cívico-militares e escola sem partido, políticas consideradas "excludentes".
"O PNE não está sendo cumprido. No lugar dele, são colocadas uma série de políticas públicas que vão na contramão do que ele preconiza: políticas discriminatórias, excludentes, de censura, e de esvaziamento da escola como lugar vivo, democrático, transformador e livre. Assim, o descumprimento do Plano Nacional de Educação está no centro da barbárie que toma a educação nacional", destaca o relatório.
A falta do Censo Demográfico, que deveria ser feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2021 após ser adiado, mas não foi previsto no orçamento do governo federal, poderá ameaçar o monitoramento das metas no futuro, ressalta Pellanda.
Investimento em educação
Uma das principais metas que não foram cumpridas se refere ao investimento na educação, a base para o cumprimento de todo o plano destaca Pellanda.
"Em 2021, tivemos cortes de 27% na LOA [Lei Orçamentária Anual] tendo sido R$ 1,7 bilhão bloqueados pelo governo federal. A aprovação do Fundeb em 2020 vai garantir um tanto de respiro, mas não o suficiente para a garantia dos avanços necessários e na velocidade necessária para o cumprimento do Plano até 2024", analisa.
A pandemia poderá agravar ainda mais o quadro. "O impacto econômico da crise da Covid-19 deve impactar em menor arrecadação e menores disponibilidades de recursos para investimentos sociais. Ainda, as políticas emergenciais de base excludente que foram conduzidas, sem condições de acesso aos estudantes e de trabalho aos profissionais da educação, promoveu retrocessos profundos em acesso, qualidade, permanência e inclusão na educação, ou seja, em todo o Plano. A crise na crise que vivemos asfixia todo o PNE", ressalta.