A pandemia de Covid-19 deixou mais evidentes diversos problemas sociais que o Brasil enfrenta. Um dos mais escancarados pela chegada do vírus foi a deficiência do acesso e utilização de tecnologias e internet no ensino básico do país em todos os setores, mas principalmente nas redes de ensino público.
Essa realidade foi abordada recentemente no estudo “Tecnologias para uma Educação com equidade: novo horizonte para o Brasil”, realizado pelo Todos Pela Educação, em parceria com D3E (Dados para um Debate Democrático da Educação) e com o Transformative Learning Technology Laboratory, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, que apresenta problemas do país em relação ao uso de tecnologias no ensino enquanto apresenta recomendações para sua resolução.
Alguns dos pontos mais importantes giram em torno da infraestrutura necessária para um ensino com amplo acesso às ferramentas tecnológicas, do ensino e uso dos equipamentos, plataformas e materiais aliados ao aprendizado e formação continuada de professores que tenha a tecnologia como um ponto central e intrínseco ao processo de ensino-aprendizagem.
Em entrevista ao Diario o professor co Centro de Informática (CIn) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Alex Sandro Gomes, deu mais detalhes sobre a situação da educação básica brasileira no que tange ao uso de tecnologias e comentou as recomendações propostas pelo estudo.
No que tange à já citada formação continuada de docentes, Alex Sandro conta que o Brasil ainda segue o mesmo currículo de formação de professores que tínhamos no final do século passado. “Apenas no final de 2020 conseguimos aprovar a sua atualização e ele deverá entrar em vigor apenas em 2025. A formação inicial não inclui qualquer formação adequada de uso de plataformas tecnológicas no ensino. Grande parte dos esforços de formação são da ordem do desenvolvimento continuado em serviço por iniciativas das mais diversas da sociedade civil”.
Além disso, segundo o professor, muitas escolas não possuem uma conexão adequada com a internet que possibilite aos docentes uma boa utilização dos recursos disponíveis. “Atualmente, mais de 77% das escolas estão de alguma forma conectadas com a Internet. No entanto, na maior parte delas, a velocidade das conexões é baixa. A Internet permite que a equipe pedagógica tenha acesso, mas não torna viável o uso pedagógico por toda comunidade escolar”, explica o professor.
A universalização do acesso à internet de qualidade nas escolas para estudantes e professores é proposta pelo estudo e, segundo Alex Sandro, é necessária e urgente para reduzir as desigualdades sociais na educação. “Estamos distantes de uma oferta equânime e apenas a partir dessa oferta é que estaríamos revertendo o processo atual de acentuação das desigualdades sociais. Hoje o acesso majoritários dos estudantes é via celular, mas o dobro de estudantes de escolas privadas têm bom acesso em relação à quantidade de estudantes de escolas públicas”, disse ele.
O uso de laboratórios, de acordo com o estudo, deve contar com a compra de equipamentos fabricados especialmente para o uso educativo e estimular a realização de atividades que fazem os alunos “colocarem a mão na massa”, como programação, ciências e robótica educativa, por exemplo. Segundo o professor Alex Sandro, o MEC enviou vários tipos de laboratórios para as escolas: ciências, matemática e informática, mas ainda há barreiras sistêmicas para sua plena utilização. “A própria arquitetura das escolas e as ambientações das salas impedem a adoção de metodologias ativas e criativas, o currículo sobrecarrega os alunos com conceitos e não permitem explorações variadas e mais significativas de um mesmo campo conceitual e a lógica de aulas por disciplinas impede abordagens transdisciplinares”, explicou ele.
Carência tecnológica e ensino remoto
Todos os pontos citados até aqui inevitavelmente causam impactos direto no ensino remoto, forçado pela chegada da Covid-19, doença que nos obrigou a praticar o distanciamento social e evitar aglomerações. Aulas a distância só são possíveis por meio da tecnologia e exigem investimentos em equipamentos, conexão e formação de docentes, além de domínio das ferramentas educacionais por parte dos estudantes. No entanto, essa não é a realidade da maior parte das escolas, famílias de alunos e professores.
Joyce de Freitas Cardoso tem 13 anos de experiência no ensino de Língua Portuguesa e atualmente ensina na Escola Técnica Estadual Ginásio Pernambucano e assim como muitos colegas de profissão, passou por momentos desesperadores enquanto aprendia à força como dar aulas e desempenhar outras atividades de ensino remotamente.
“É outra maneira de dar aula, de verificar a aprendizagem do estudante e de acompanhar o desenvolvimento dele. A ausência de formação tecnológica para os docentes fez com que tivéssemos de passar por tentativas, erros e só depois acertar os métodos eficazes. Eu não sabia usar o Google Sala de Aula, fazer provas usando formulários digitais, bem como outros softwares para tornar a aula mais lúdica. Para os alunos foi bem mais complicada essa adaptação. Infelizmente, acredito que a longo prazo tenhamos o resultado desse despreparo. Eu não tive esse tipo de formação na graduação ou na pós-graduação. Os encontros de formação fornecidos pela GRE Recife-Norte me auxiliaram muito a entender como fazer a inclusão das ferramentas tecnológicas, mas confesso que só recebi esse incentivo de forma tardia, praticamente de uns três anos para cá. É uma falha, a meu ver, do processo de formação docente”, contou a professora.
Antes da pandemia, contudo, o cenário também não era o mais favorável e Joyce conta que já trabalhou em escolas onde faltava o mínimo de estrutura tecnológica e ela tinha que se virar para levar conteúdos diferenciados para os estudantes. “Em todas as escolas por onde passei, antes de trabalhar no GP, tive dificuldades de acesso à internet. Se eu quisesse exibir vídeos, ou mostrar algum conteúdo que dependesse de internet, tinha que fazer o download antes, em casa ou em algum cyber. Às vezes os problemas com a lentidão da internet ou a queda no sinal minam o planejamento da aula e é preciso buscar o plano B. Trabalhei em muitas escolas que até tinham data show ou retroprojetores, porém ou eram em número insuficiente para o quantitativo de professores ou estavam quebrados”, explicou a Joyce.
Questionada sobre qual seria, na sua opinião, o cenário ideal de inclusão e uso das tecnologias no ambiente escolar, Joyce afirma que gostaria de mais investimentos em estrutura e formação de professores.
“No caso dos docentes, fornecer formação no que diz respeito à atualização das diversas plataformas disponibilizadas para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem e como acompanhar a evolução dos meios digitais. Para isso, são necessários investimentos tanto para aquisição de equipamentos, como na melhoria do acesso à internet nas escolas. Para os alunos, o currículo escolar deveria contemplar conteúdos relacionados ao universo digital, mas de forma prática, não só se restringindo à manutenção de computadores”.